domingo, 30 de janeiro de 2011

São Tomás de Aquino

Ninguém se aproximou da teologia ou da filosofia tomista sem ter haurido nesta fonte a mais excelente doutrina. O nome de São Tomás de Aquino é um marco para todos aqueles que buscam a verdade. Entretanto, nos pormenores de sua vida e em sua extraordinária personalidade descobrimos mais do que um teólogo: um grande santo.

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A busca da verdade é tão antiga quanto o próprio homem, e não há um só entre os seres racionais que não deseje possuí-la. Por outro lado, a privação desse excelente bem acaba dando à coletividade humana uma face desfigurada, que se explica pela adesão a falsas doutrinas ou a meias verdades. Nossa sociedade ocidental é um exemplo dessa profunda carência que não encontra nos avanços da técnica nem na fugacidade dos vícios uma resposta satisfatória.

Um menino que buscava o Absoluto

Mas, afinal, o que é a verdade? Esta era uma das perguntas que o pequeno Tomás fazia em seus tenros cinco anos de idade. Segundo um costume da época, sua educação foi confiada aos beneditinos de Monte Cassino, onde ele passou a morar. Vendo um monge cruzar com gravidade e recolhimento os claustros e corredores, puxava sem hesitar a manga de seu hábito e lhe perguntava: "Quem é Deus?" Descontente com a resposta que, embora verdadeira, não satisfazia inteiramente seu desejo de saber, esperava passar outro filho de São Bento e indagava também a ele: "Irmão Mauro, pode me explicar quem é
Deus?" Mas... que decepção! De ninguém conseguia a explicação desejada. Como as palavras dos monges eram inferiores à idéia de Deus que aquele menino trazia no fundo da alma!
Foi nesse ambiente de oração e serenidade que transcorreu feliz a infância de São Tomás de Aquino. Nascido por volta de 1225, era o filho caçula dos condes de Aquino, Landolfo e Teodora. Entrevendo para o pequeno um futuro brilhante, seus pais lhe proporcionaram uma robusta formação. Mal podiam imaginar que ele seria um dos maiores teólogos da Santa Igreja Católica e a rocha fundamental do edifício da filosofia cristã, o ponto de convergência no qual se reuniriam todos os tesouros da teologia até então acumulados e do qual partiriam as luzes para as futuras explicitações.

A vocação posta à prova
 
Muito jovem ainda, São Tomás partiu para Nápoles a fim de estudar gramática, dialética, retórica e filosofia. As matérias mais árduas, que custam até aos espíritos robustos, não passavam de um simples joguete para ele. Entretanto, nesse período de sua vida não avançou menos em santidade do que em ciência. Seu entretenimento era rezar nas diversas igrejas e fazer o bem aos pobres.
Ainda em Nápoles Deus lhe manifestou sua vocação. Seus pais desejavam vê-lo beneditino, abade em Monte Cassino ou Arcebispo de Nápoles, entretanto, o Senhor lhe traçara um caminho bem diverso. Era na Ordem dos Pregadores, recém fundada por São Domingos, que a graça haveria de tocar-lhe a alma. São Tomás descobriu nos dominicanos o carisma com o qual se identificou por completo. Após longas conversas com Frei João de São Julião, não duvidou em aderir à Ordem e fez-se dominicano aos catorze anos de idade.
Costuma a Providência Divina solidificar no cadinho do sofrimento as almas às quais confere um chamado excepcional, e São Tomás não escapou à regra. Quando sua mãesoube de seu ingresso nos dominicanos, tomou-se de fúria e quis tirálo à força. Fugindo para Paris, com o objetivo de escapar da tirania materna, o santo doutor foi dominado por seus irmãos que o buscavam com todo empenho. Após terem-no espancado brutalmente, procuraram despojá-lo de seu hábito religioso. "É uma coisa abominável - dirá depois São Tomás - querer repreender os Céus por um dom que de lá recebemos".
Assim capturado, levaram-no à mãe, a qual tentou fazê-lo abandonar seu propósito. Na incapacidade de convencê-lo, encarregou suas duas filhas de dissuadir a qualquer preço o irmão "rebelde". Com palavras sedutoras, elas lhe mostraram as mil vantagens que o mundo lhe oferecia, até mesmo a de uma promissora carreira eclesiástica, desde que renunciasse à Ordem Dominicana. O resultado desta entrevista é assombroso: uma delas decidiu fazer-se religiosa e partiu para o convento de Santa Maria de Cápua, onde viveu santamente e foi abadessa. Eis a força da convicção e o poder de persuasão deste homem de Deus!
Confronto decisivo
Farta de vãos esforços, a família tomou uma medida drástica: prendeuo na torre do castelo de Roccasecca, com o intuito de mantê-lo encarcerado enquanto não desistisse de sua vocação. Em completa solidão, o santo passou ali quase dois anos, os quais foram aproveitados para um aprofundamento nas vias da contemplação e do estudo. Os frades dominicanos o acompanhavam espiritualmente através de orações e enviavam com sagacidade livros e novos hábitos que lhe chegavam às mãos por intermédio de suas irmãs.
Como passava o tempo sem o jovem detido esmorecer, seus irmãos - instigados por Satanás - montaram um plano execrável: enviaram à torre uma moça de maus costumes para fazê-lo cair em pecado. 
Contudo, São Tomás há 
muito se solidificara na prática de todas as virtudes, e não se deixaria arrastar. Vendo aquela perversa mulher aproximar-se, pegou na lareira um tição em chamas e com ele se defendeu da infame tentadora que fugiu apavorada para salvar a própria pele.

Insigne vitória contra o inimigo da salvação! Reconhecendo nesse episódio a intervenção divina, São Tomás traçou com o mesmo tição em brasa uma cruz na parede, ajoelhou-se e renovou sua promessa de castidade. Comprazidos por tal gesto de fidelidade, o Senhor e sua Mãe lhe mandaram um sono durante o qual dois anjos o cingiram com um cordão celestial, dizendo: "Viemos da parte de Deus conferir- te o dom da virgindade perpétua, que a partir de agora será irrevogável".
Nunca mais São Tomás sofreu qualquer tentação de concupiscência ou de orgulho. O titulo de Doutor Angélico não lhe foi dado apenas por ter transmitido a mais alta doutrina, mas também por ter em tudo se assemelhado aos espíritos puríssimos que contemplam a face de Deus.
O aluno supera o mestre
gora com o assentimento dos seus, São Tomás partiu para consolidar sua formação intelectual em Paris e Colônia. Falava-se muito da pregação que fazia nesta última cidade o bispo Santo Alberto Magno, o mais conceituado mestre da Ordem dos Pregadores. São Tomás rezou, pedindo para conhecê-lo e receber dele as maravilhas da fé, e, para sua alegria, foi atendido. O que Santo Alberto não podia imaginar era que aquele frade despretensioso, de poucas palavras e presença discreta, tivesse tamanha envergadura espiritual.
Certo dia, caiu nas mãos do mestre um trecho escrito por seu aluno. Admirado pela profundidade do conteúdo, pediu a São Tomás para expor à toda a classe aquela temática. O resultado foi uma explanação em tudo surpreendente, na qual os demais alunos comprovaram quão temerário era o juízo pejorativo que faziam de seu companheiro: ele logrou explicitar com mais riqueza, expressividade e clareza que o próprio Santo Alberto.
Daí em diante, a vida do Doutor Angélico foi uma seqüência de sublimes serviços prestados à sagrada teologia e à filosofia. Aos 22 anos de idade interpretou com genialidade a obra de Aristóteles; aos 25, juntamente com São Boaventura, obteve o doutorado na Universidade de Paris. Estes dois arquétipos doutrinários nutriam grande admiração recíproca, a ponto de disputarem afetuosamente, no dia de receberem o título máximo, quem seria nomeado primeiro, cada qual desejando ao outro
a primazia.
Obra portentosa
Tão vasta é a obra tomista que a simples enumeração de seus escritos ocupa várias páginas. Formam um total de quase sessenta 
grandes obras - entre
comentários, sumas, questões e opúsculos - das quais não está excluída nenhuma das principais preocupações do espírito humano.
Sua prodigiosa faculdade de memória lhe permitia reter todas as leituras que fizera, entre elas a Bíblia, as obras dos filósofos antigos e dos Padres da Igreja. Todas as oitenta mil citações contidas em seus escritos brotaram espontaneamente de sua capacidade retentora. Nunca precisou ler duas vezes o mesmo trecho. Ao lhe ser perguntado qual era o maior favor sobrenatural que recebera, depois da graça santificante, respondeu: "Creio que o de ter entendido tudo quanto li".
Em suas obras vemos uma incrível acuidade de espírito, um raro dom de formulação e uma superior capacidade de expressão. Costumava resolver quatro ou cinco problemas ao mesmo tempo, ditando para diversos escreventes respostas definitivas às questões mais obscuras. Não sucumbiu ao peso de seus conhecimentos, mas, pelo contrário, os harmonizou num conjunto incomparável que tem na Suma Teológica a mais brilhante manifestação.
Sabedoria e oração
Falar das qualidades naturais do Doutor Angélico sem considerar a supremacia da graça que resplandecia em sua alma seria uma deturpação. Frei Reginaldo, seu fiel secretário, disse tê-lo visto passar mais tempo aos pés do crucifixo do que em meio aos livros.
A fim de obter luzes para solucionar intrincados problemas, o santo doutor fazia freqüentes jejuns e penitências, e não raras vezes o Senhor o atendeu com revelações celestiais. Em certa ocasião, enquanto rezava fervorosamente, pedindo luzes para explicar uma passagem de Isaías, apareceram-lhe São Pedro e São Paulo e esclareceram todas as dúvidas.
Recorria também a Jesus Sacramentado. Às vezes colocava a cabeça no sacrário e rezava longamente. Assegurou depois ter aprendido mais desta forma do que em todos os estudos que fizera. Por seu entranhado amor à Eucaristia, compôs o Pange Lingua e o Lauda Sion para a festa de Corpus Christi: obras-primas jamais superadas.
Um dia, estando imerso em adoração a Jesus Crucificado, o Senhor dirigiu- Se a ele com estas palavras:
- Escreveste bem sobre Mim, Tomás. Que recompensa queres?
Nada mais que a Vós, Senhor - respondeu ele.

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A recompensa demasiadamente grande
Em 1274 São Tomás partiu para Lion a fim de participar do Concílio Ecumênico convocado pelo Papa Gregório X, mas no caminho adoeceu gravemente. Como não havia nenhuma casa dominicana próxima, foi levado para a abadia 
cisterciense de Fossanova, onde faleceu a 7 de março, antes de completar cinqüenta anos de idade. Suas relíquias foram transportadas para Toulouse em 28 de janeiro de 1369, data em que a Igreja Universal celebra sua memória.

Ao receber por derradeira vez a Sagrada Eucaristia, disse ele:
"Eu Vos recebo, preço do resgate de minha alma e Viático de minha peregrinação, por cujo amor estudei, vigiei, trabalhei, preguei e ensinei. Tenho escrito tanto, e tão freqüentemente tenho discutido sobre os mistérios da vossa Lei, ó meu Deus; sabeis que nada desejei ensinar que não tivesse aprendido de Vós. Se o que escrevi é verdade, aceitai-o como uma homenagem à vossa infinita majestade; se falso, perdoai a minha ignorância. Consagro tudo o que fiz e o submeto ao infalível julgamento da vossa Santa Igreja Romana, na obediência à qual estou prestes a partir desta vida."
Belo testamento de elevada santidade! A Igreja não tardou em glorificá- lo, elevando-o à honra dos altares em 1323. Na cerimônia de canonização, o Papa João XXII afirmou: "Tomás sozinho iluminou a Igreja mais do que todos os outros doutores. Tantos são os milagres que fez, quantas as questões que resolveu". No Concílio de Trento, as três obras de referência postas sobre a mesa da assembléia foram: a Bíblia, os Atos Pontificais e a Suma Teológica. É difícil exprimir o que a Igreja deve a este seu filho ímpar.
Da fé extraordinariamente vigorosa do Doutor Angélico brotava a convicção profunda de que a Verdade em essência não é senão o próprio Deus, e a partir do momento em que ela fosse proclamada em sua integridade, seria irrecusável e triunfante.  Eis o grande mérito de sua doutrina imortal: ela continua ecoando ao longo dos séculos, pois nada pode abalar a supremacia de Cristo.
Em São Tomás a Igreja contempla a realização plena da oração feita pelo Divino Mestre nos derradeiros momentos que passou nesta terra: "Santifica-os na verdade. A tua palavra é a verdade. Assim como Tu me enviaste ao mundo, também Eu os enviei ao mundo. Por eles Eu santifico-Me a Mim mesmo, para que também sejam santificados na verdade" (Jo 17, 17-19).
(Revista Arautos do Evangelho, Janeiro/2008, n. 73, p. 32 à 35)



segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Os aspectos espirituais da sociedade temporal favorecem a contemplação

Mons. João S. Clá Dias, EP


bruxelas



Encontra-se generalizada a ideia de que a sociedade temporal existe apenas para satisfazer as necessidades materiais do homem. Ora, este é composto de alma e corpo, no qual o espírito ocupa a primazia.
O homem poderá desenvolver a capacidade contemplativa, com maior grau de perfeição, no convívio humano e na consideração dos bens mais elevados que são o resultado da vida social, quer sejam os ambientes, a arte, a cultura e a civilização. Estes são elementos caracteristicamente espirituais produzidos pela sociedade temporal, e que grande influência têm sobre a alma humana. Animando com o espírito cristão as realidades temporais, objeto da contemplação mais imediata do homem, a alma humana terá muito mais facilidade de se elevar até as verdades da Fé. Dessa forma, a intimidade com Deus não se restringe apenas a determinados momentos reservados às obrigações religiosas, mas se estende a todo o operar humano, tal como a respiração não se interrompe em nenhum momento da existência. Ela é natural, sem esforço, contínua e aprazível.
A doutrina do Concílio Vaticano II, expressa no Decreto Apostolicam Actuositatem, é igualmente clara ao ressaltar a importância da esfera temporal no plano salvífico de Deus:
A obra redentora de Cristo, que por natureza visa salvar os homens, compreende também a restauração de toda a ordem temporal. Daí que a missão da Igreja consiste não só em levar aos homens a mensagem e a graça de Cristo, mas também em penetrar e atuar com o espírito do Evangelho as realidades temporais. Por este motivo, os leigos, realizando esta missão da Igreja, exercem o seu apostolado tanto na Igreja como no mundo, tanto na ordem espiritual como na temporal. Estas ordens, embora distintas, estão de tal modo unidas no único desígnio divino que o próprio Deus pretende reintegrar, em Cristo, o universo inteiro, numa nova criatura, dum modo incoativo na terra, plenamente no último dia. O leigo, que é simultaneamente fiel e cidadão, deve sempre guiar-se, em ambas as ordens, por uma única consciência, a cristã. (AA, n. 5)
É importante salientar aqui como o Concílio Vaticano II, ainda nos dias em que o assunto não havia adquirido o devido destaque nos meios eclesiais, deu novo impulso ao papel dos leigos na Igreja. Nele se anteciparam os imensos desafios que o terceiro milênio reservava. Com efeito, um deles é a “Consecratio Mundi”. Se no século XXI a Igreja não conseguisse influenciar as realidades temporais com o espírito cristão, os erros e a mentalidade secularista desta época poderiam, em certa medida, dessacralizá-la.
Diante dessa perspectiva, compete aos leigos zelar para que os ambientes, a arte, os costumes, as leis e as instituições, de alto a baixo na escala social, estejam todos impregnados do espírito cristão de forma que a obra redentora de Cristo produza também seus efeitos na esfera temporal. Deverá ela refletir, a seu modo, a luz e o esplendor daquele que subiu aos céus para “levar tudo à plenitude” (Ef 4, 10).

sábado, 15 de janeiro de 2011

Fotos da ordenação diaconal dos ex-bispos anglicanos

Postado por Rafael Vitola Brodbeck

Natural que interrompamos nosso recesso para postar fotos tão impressionantes e históricas: a ordenação diaconal de John Broadhurst, Andrew Burnham e Keith Newton, ex-bispos anglicanos que se uniram à Igreja Católica e constituirão o primeiro Ordinariato Pessoal para ex-anglicanos na Inglaterra, conforme a Constituição Apostólica Anglicanorum Coetibus. Os três eram originários de uma ala anglo-católica da Igreja Anglicana “oficial”, ligada a Cantuária, embora o processo de conversão em massa de clérigos anglicanos de linha anglo-católica tenha se dado no seio do chamado “anglicanismo continuante”, que é independente do anglicanismo oficialista.

Os três foram recebidos com suas esposas na Igreja Católica, pela Crisma e profissão de fé, no último dia 1º, em cerimônia na Catedral de Westminster. Hoje, 13 de janeiro, deu-se sua ordenação ao diaconato pelo Bispo Auxiliar de Westminster, Dom Alan Hopes, e para o dia 15, sábado, está marcada a solene ordenação sacerdotal pelas mãos do Arcebispo Dom Vincent Nichols.

A ordenação foi em rito romano em sua forma ordinária, em inglês, mas sabe-se que, no futuro, os Ordinariatos poderão celebrar tanto na forma ordinária do rito romano, em inglês ou latim, quanto na forma extraordinária, em latim, ou mesmo no chamado “uso anglicano do rito romano”, em que se mesclam, com harmonia, elementos do antigo Rito de Sarum pré-Reforma Protestante (contidos no Book of Common Prayer anglicano) e do rito romano.

Eis as fotos:

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John

Promessa de obediência de John Broadhurst – que, enquanto não estiver criado o Ordinariato, está incardinado na Diocese de Roma, diretamente sob a supervisão do Papa, mesmo caso de seus dois outros colegas, que não ficaram nem acéfalos nem clérigos de Westminster.

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Promessa de obediência de Andrew Burnham

Keith

Promessa de obediência de Keith Newton

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Ordenação de John Broadhurst

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Ordenação de Andrew Burnham

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Ordenação de Keith Newton

Prefácio consecratório


Revestidos com a dalmática, paramento próprio dos diáconos.

Fonte das fotos: James Bradley

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Maria, virgem e mãe ao mesmo tempo


"Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho" (Is 7, 14). Com estas palavras, Deus, pela boca de Isaías, oferecia um sinal para a casa de Davi. Certamente, Acaz, rei de Judá, ao ouvir aquilo que o profeta lhe dizia, não compreendeu que este oráculo se referia ao nascimento do Salvador. Entretanto, é provável que a causa maior de seu assombro se deva mais ao fato de escutar a aparente contradição que se encontra nestas palavras. Pois, com efeito, como pode uma mulher ser virgem e mãe ao mesmo tempo?
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O que para os homens é impossível, para Deus é possível. Assim, quis Ele operar n'Aquela que havia de ser a Mãe do Verbo Encarnado um dos maiores milagres que houve e haverá em toda a história: unir em Maria, sua Filha Prediletíssima, a virgindade e a maternidade.
Denominada nos Evangelhos "a Mãe de Jesus" (Jo 2,1; 19, 25), Maria é aclamada, sob o impulso do Espírito, desde antes do nascimento de seu Filho, como a "Mãe de meu Senhor" (Lc 1, 43). Ora, Aquele que Ela concebeu do Espírito Santo como homem e que se tornou verdadeiramente seu Filho segundo a carne não é outro que o Filho eterno do Pai, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade. A Igreja confessa que Maria é verdadeiramente Mãe de Deus (Theotókos).
No entanto, para perplexidade da inteligência humana, embora sendo Mãe de Deus, se manteve virgem antes, durante e depois do parto. De fato, como nos ensina a doutrina católica, desde as primeiras formulações da fé, a Igreja confessou que Jesus foi concebido exclusivamente pelo poder do Espírito Santo no seio da Virgem Maria, afirmando também o aspecto corporal deste evento: Jesus foi concebido "do Espírito Santo, sem concurso de varão". Os Padres da Igreja veem na conceição virginal o sinal de que foi verdadeiramente o Filho de Deus que veio numa humanidade como a nossa.
Assim, Santo Inácio de Antioquia, já no início do século II, afirmava: "Estais firmemente convencidos acerca de Nosso Senhor, que é verdadeiramente da raça de Davi segundo a carne, Filho de Deus segundo a vontade e o poder de Deus, verdadeiramente nascido de uma virgem".
Os relatos evangélicos entendem a conceição virginal como uma obra divina que ultrapassa toda compreensão e toda possibilidade humanas. "O que foi gerado nela vem do Espírito Santo", diz o Anjo a José sobre Maria (Mt 1, 20). A Igreja reconhece neste trecho do Evangelho o cumprimento da promessa divina dada pelo profeta Isaías: "a virgem conceberá..."
O aprofundamento de sua fé na maternidade virginal levou a Igreja a confessar a virgindade real e perpétua de Maria, mesmo no parto do Filho de Deus feito homem. Com efeito, o nascimento de Cristo "não lhe diminuiu, mas sagrou a integridade virginal" de Maria . A Liturgia da Igreja celebra Maria como a "Aeiparthenos", ou seja, "sempre virgem".
O olhar da fé pode descobrir, tendo em mente o conjunto da Revelação, as razões misteriosas pelas quais Deus, em seu desígnio salvífico, quis que seu Filho nascesse de uma virgem. Essas razões tocam tanto a pessoa e a missão redentora de Cristo quanto o acolhimento desta missão por Maria em favor de todos os homens.
A virgindade de Maria manifesta a iniciativa absoluta de Deus na Encarnação. Jesus tem um só Pai: Deus. "A natureza humana que Ele assumiu nunca o afastou do Pai [...]. Por natureza, Filho de seu Pai, segundo a divindade; por natureza, Filho de sua Mãe, segundo a humanidade; mas propriamente Filho de Deus em suas duas naturezas".
Jesus é concebido pelo poder do Espírito Santo no seio da Virgem Maria, pois Ele é o novo Adão que inaugura a nova criação: "O primeiro homem, tirado da terra, é terrestre; o segundo homem vem do Céu (1Cor 15, 47)". A humanidade de Cristo é, desde a sua concepção, repleta do Espírito Santo.
Deste modo, Jesus, o Novo Adão, inaugura por sua concepção virginal o novo nascimento dos filhos de adoção no Espírito Santo pela fé. A participação na vida divina não vem "do sangue, nem de uma vontade da carne, nem de uma vontade de homem, mas de Deus" (Jo 1, 13). O acolhimento desta vida é virginal, pois esta é totalmente dada pelo Espírito ao homem. O sentido esponsal da vocação humana em relação a Deus é realizado perfeitamente na maternidade virginal de Maria.
Maria é virgem porque sua virgindade é o sinal de sua fé e de sua doação sem reservas à vontade de Deus. É sua fé que lhe concedeu tornar-se a Mãe do Salvador: "Maria é mais bem-aventurada recebendo a fé de Cristo do que concebendo a carne de Cristo".
Maria é ao mesmo tempo Virgem e Mãe por ser a figura e a mais perfeita realização da Igreja. "A Igreja [...] torna-se também ela Mãe por meio da palavra de Deus, que ela recebe na fé, pois pela pregação e pelo Batismo ela gera para a vida nova e imortal os filhos concebidos do Espírito Santo e nascidos de Deus. Ela é também a virgem que guarda, íntegra e puramente, a fé dada a seu Esposo".
A respeito da Virgem Mãe, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira diz que não há título maior que o de Mãe de Deus. Contudo, "Nosso Senhor Jesus Cristo preza tanto a virgindade que desejou fosse sua Mãe também virgem, operando em favor d'Ela um estupendo milagre que excede à nossa imaginação: Maria permaneceu virgem antes, durante e depois do parto.
"Segundo a bela comparação que fazem os teólogos, assim como Nosso Senhor saiu do sepulcro sem esforço e sem nada quebrantar, assim deixou Ele o claustro materno, sem detrimento da virgindade de Maria Santíssima".
O Doutor Melífluo, São Bernardo, viu nesta extraordinária ação da Providência, isto é, ser Maria Virgem e Mãe ao mesmo tempo, um dos privilégios que mais distingue a virgem Santíssima de todas as outras criaturas:
"Não há coisa, na verdade, que mais me deleite, porém tampouco há que mais me atemorize, que o falar da glória da Virgem Mãe. Confesso minha imperícia, não oculto minha grande pusilanimidade. Porque [...] se me ponho a louvar sua virgindade, descubro que muitas outras foram, depois d'Ela, virgens. Se me ponho a exaltar sua humildade, encontrar-se-ão talvez muito poucos, mas se acharão, que, a exemplo de seu Divino Filho, se fizeram mansos e humildes de coração. Se engrandeço a multidão de suas misericórdias, vêm-me à lembrança alguns homens e também mulheres que foram misericordiosos. Mas uma coisa há na qual Ela não teve antes par nem semelhante, nem o terá jamais, e foi em unir as alegrias da maternidade com a honra da virgindade. Ninguém duvida, com efeito, que se é boa a fecundidade conjugal, todavia é melhor a castidade virginal; pois bem, supera imensamente às duas a fecundidade virginal ou a virgindade fecunda. Privilégio é este próprio de Maria e que não se concederá jamais a nenhuma outra mulher. [...] É prerrogativa singular d'Ela e por isto mesmo inefável: ninguém poderá compreendê-la, nem explicá-la.
"Que dizer, então, se nos lembrarmos de quem Maria se tornou Mãe? Que língua, fosse mesmo angélica, seria jamais capaz de louvar bastante a Virgem Mãe? Mãe, não de um qualquer, mas de Deus. Duplo milagre, duplo privilégio, que de modo maravilhoso se harmonizam. Porque nem era digno da Virgem outro Filho, nem de Deus, outra Mãe".
Semelhante é o pensamento de São Tomás de Aquino, ao comentar este versículo do Magníficat: "Porque em Mim fez grandes coisas o que é poderoso, e cujo nome é santo" (Lc 1, 49). "Que grandes coisas Vos fez?" - pergunta São Tomás - "Creio que [estas]: sendo criatura, daríeis à luz o Criador, e que sendo escrava, engendraríeis o Senhor, para que Deus redimisse o mundo por Vós, e por Vós também lhe devolvesse a vida. E sois grande, porque concebestes permanecendo virgem, superando por disposição divina, à natureza. Fostes reputada digna de ser mãe sem obra de varão; e não uma mãe qualquer, mas a do Unigênito Salvador.
"Diz, pois: ‘O que é poderoso', para que se alguém duvide da verdade da Encarnação, permanecendo virgem depois de haver concebido, refere este milagre ao grande poder d'Aquele que o fez".
Por outro lado, considerando o extraordinário fato de Maria conciliar em si a perpétua virgindade e a maternidade divina, exclama um piedoso autor do século passado:
"Ó Maria, Virgem Mãe, sois doravante um ideal que arrebatará todos os amantes da verdadeira beleza: Virgem Mãe, os doutores e os artistas tomar-vos-ão à porfia por tema de suas mais sublimes composições, e todos, após cansarem o próprio gênio, deporão a pena ou o pincel, sem ter podido exprimir tudo o que solicitava os ardores de seu anelo e os entusiasmos de seus sentimentos!".
Difícil será abarcar num artigo todos os belos comentários que, no decorrer da História, estes e aqueles santos, místicos e teólogos fizeram a respeito deste maravilhoso milagre que Deus operou na Virgem Mãe. De fato, Dr. Plinio Corrêa de Oliveira comentava que este mistério na vida de Maria santíssima só era possível numa,"alma de uma imensidade inefável, alma na qual todas as formas de virtude e de beleza existem com uma perfeição supereminente, da qual nenhum de nós pode ter uma ideia exata. [...] [Ela reúne] numa perfeita harmonia contrastes aparentemente irreconciliáveis: é a Virgem Mãe, chamada a Virgem das Virgens, que poderia, muito lícita e validamente, também ser chamada a Mãe das Mães. Ninguém mais plenamente Mãe, Mãe por excelência, do que Ela. Ninguém mais plenamente Virgem, Virgem por excelência, do que Ela também".

Bento XVI ministra o batismo a crianças na Capela Sistina

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Cidade do Vaticano (Segunda-feira, 10-01-2011, Gaudium Press) Como é tradição, o Papa Bento XVI ministrou neste domingo, quando a Igreja recorda mundialmente o Batismo do Senhor, o sacramento do batismo a 21 filhos recém-nascidos de funcionários vaticanos e da Santa Sé. E pediu: que toda a comunidade cristã dê sustento às famílias, "pequenas igrejas domésticas", na sua missão educadora de seus filhos na fé.
Ao falar sobre o sentido do sacramento durante a Solenidade de ontem, o Santo Padre afirmou que é no batismo que se derrama o amor de Deus e tem início da vida da graça. "A fé é o motivo mais verdadeiro e mais belo por que viver", disse. Aos pais das crianças que batizava, todos presentes à Capela, o pontífice recordou que os filhos são "um dom precioso do Senhor".
Tornou-se tradição no Vaticano os Papas administrarem o sacramento do batismo aos recém-nascidos na Capela Sistina durante a festa do Batismo do Senhor. A própria solenidade, como explicou o Papa, não fala sobre o batismo que é concedido hoje como sacramento, mas do batismo anunciado por São João Batista, que era antes um ato penitencial e um convite à humildade.
Segundo Bento XVI, esta lógica de humildade se exprime no pedido de Jesus para ser batizado pelo primo João, estabelecendo "uma comunhão plena com a humanidade" e "uma verdadeira solidariedade com o homem". Era também um gesto de antecipação da Cruz e da morte ante os pecados do homem; e de subserviência ao manifestar na totalidade sua uniformidade ao amor do Pai , "a plena sintonia de vontade e da obediência".
Durante a unção dos pequenos neste domingo, Bento XVI voltou a destacar a importância da família na formação das gerações jovens na fé. No atual contexto, urgiu ser necessário apoio no esforço educativo também das paróquias, ressaltou. "A colaboração entre a comunidade cristã e família é assaz necessária no atual contexto social, no qual a instituição familiar é ameaçada por várias partes e tem de fazer frente a não poucas dificuldades na sua missão de educar para a fé".
Entre os recém-nascidos que ontem receberam o sacramento do batismo das mãos do Papa, estava, por exemplo, a filha de um dos sargentos da Guarda Suíça Pontifícia, entre outros filhos de dependentes vaticanos.

sábado, 8 de janeiro de 2011

Batismo do Senhor


Duas figuras máximas se encontram: o Precursor e o Messias.Quem foi o Batista
e por que quis Jesus ser batizado?
João andava vestido de pêlo de camelo e trazia um cinto de couro em volta dos rins, e alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre. Ele pôs-se a proclamar: .Depois de mim vem outro mais poderoso do que eu, ante o qual não sou digno de me prostrar para desatar-Lhe a correia do calçado. Eu vos batizei com água; Ele, porém, vos batizar á no Espírito Santo.. Ora, naqueles dias veio Jesus de Nazaré, da Galiléia, e foi batizado por João no Jordão. No momento em que Jesus saía da água, viu os céus abertos e descer o Espírito em forma de pomba sobre Ele. E ouviu-se dos céus uma voz: .Tu és o meu Filho muito amado; em Ti ponho minha afeição. (Mc 1, 6-11).
No trecho do Evangelho de domingo, tirado de São Marcos, temos o relato do batismo mais simbólico de toda a história. É interessante conhecer preliminarmente o fundo de quadro em que se passou esse tão significativo fato.
Uma voz clama no deserto
Cortando a antiga terra de Israel de norte a sul, o rio Jordão devia sua importância aos acontecimentos históricos que transcorreram ao longo de seu curso, mais do que ao fato de ser elemento indispensável para a manutenção da vida naquele árido território.
Fora ele palco de muitos milagres e assistira a cenas grandiosas, nas quais brilhara a justiça de Deus. Contudo, por volta do ano 28 de nossa era, o que ocorreu ali superava de longe todo o passado. João, filho do sacerdote Zacarias, deixou seu isolamento no deserto e passou a percorrer a região do rio, "pregando o batismo de arrependimento para a remissão dos pecados". (Lc 3, 3).
A corroborar sua autoridade moral, tinha o Batista sua vida de penitente do deserto, extraordinariamente santa e mortificada:"Andava vestido de pêlo de camelo e trazia um cinto de couro em volta dos rins, eBatismo do Senhor_.jpgalimentava-se de gafanhotos e mel silvestre". Acrescia-lhe a reputação seu nascimento milagroso, de muitos conhecido.
Mais ainda: sabido era entre o povo eleito que fora profetizada a vinda de um precursor do Messias: "Como está escrito no livro das palavras do profeta Isaías: 'Uma voz clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas". (Lc 3, 4).
Suas exortações partiam, assim, de alguém com todas as credenciais de autenticidade para conduzir à conversão.
Grande comoção em Israel
Havia cerca de 400 anos que nenhum profeta fazia ouvir sua voz em Israel.
Nada mais explicável, pois, do que o alvoroço causado por São João Batista. De todos os lados afluíam multidões para ouvi-lo. Vendo-as diante de si, ele as admoestava, e suas palavras calavam fundo nas almas, levando muitas ao arrependimento: "Dizia ele: Fazei penitência porque está próximo o Reino dos céus".(Mt 3, 2).
Símbolo da purificação da consciência, necessária para receber esse "reino dos céus" que estava "próximo", o batismo conferido por São João confirmava as boas disposições de seus ouvintes. "Confessavam seus pecados e eram batizados por ele nas águas do Jordão", conta São Mateus (3, 6).
Israelitas de todas as classes acorriam ao profeta da penitência, dispostos a purificar o coração. Entretanto, havia também os opositores. Saduceus, fariseus e doutores da lei, que o viram inicialmente com bons olhos, não demoraram a votar-lhe profunda antipatia. Incomodados com sua extraordinária influência, irritados com as pregações, nas quais condenava os vícios em que eles incorriam, passaram a agir contra João. Questionaram seu direito de batizar e lhe prepararam armadilhas. Demonstrando grande sagacidade, São João não se deixou enlear.
Inexorável para com os hipócritas e os soberbos, o profeta mostrava-se doce com os sinceros e os humildes. "Preparai-vos!" repetia incansavelmente, "abri a via do Senhor!"
Apareceram-lhe discípulos, que o assistiam em seu ministério, e que passaram a constituir um modelo de piedade mais fervorosa. Enfim, sua pregação produzia um grande movimento popular rumo à virtude, como nunca se vira na história de Israel.
Encontro com o Messias
A missão do Precursor era preparar os caminhos do Messias. Vivia, portanto, na expectativa do encontro com Ele.
Não esperou muito tempo. Certo dia, notou a presença de Jesus no meio dos peregrinos. Tomado de sobrenatural emoção, inclinou-se para o recém-chegado, esquivando-se de Lhe dar o batismo: "Eu devo ser batizado por ti e tu vens a mim!"
Respondeu-lhe, porém, Jesus: "Deixa por agora, pois convém cumpramos a justiça completa". Obediente, São João O imergiu no Jordão.
Logo que saiu da água, Jesus se pôs a orar. Então o céu se abriu e o Espírito Santo desceu sobre Ele na forma de uma pomba. "E ouviu-se dos céus uma voz: Tu és o meu Filho muito amado; em ti ponho minha afeição".
Missão encerrada
Algum tempo depois de batizar o Messias, São João caminha para o martírio, deixando a cena histórica, como ele mesmo havia predito: "Importa que ele cresça e que eu diminua" (Jo 3,30). Entrara em cena o Salvador, estava cumprida a missão do Precursor. Restava-lhe apenas o derradeiro ato de sua grandiosa vida: o martírio.
Conforme afirma São Tomás de Aquino, "todo o ensinamento e a obra de João eram preparatórias da obra de Cristo, como a do aprendiz e do operário Sao Joao Batista _ Museu do Prado_Madri.jpginferior é preparar a matéria para receber a forma que há de introduzir o principal artífice".
Os grandes artistas tiveram aprendizes que pintaram as partes menos importantes de seus quadros, ocupando- se eles apenas dos aspectos essenciais. Também os grandes entalhadores tiveram auxiliares que afiavam as ferramentas, limpavam o ateliê, faziam as compras das madeiras apropriadas, etc.
Assim foi o trabalho de São João, preparando a vinda de Nosso Senhor.
Diante da altíssima vocação do Batista, os Doutores da Igreja exprimiram sempre grande admiração. São Tomás de Aquino, por exemplo, colocava João entre os profetas do Novo Testamento. Se o considerássemos do Antigo . dizia o Aquinate . Seria maior que Moisés.
Já São Francisco de Sales vê João como profeta do Antigo Testamento, a última luz da Lei mosaica e - diz sem titubear - a maior.
De qualquer modo, a grandeza de João era tal que o próprio Jesus declarou ser ele mais que um profeta, acrescentando este elogio supremo: .Entre os nascidos das mulheres, não veio outro ao mundo maior que João Batista. (Mt 11, 11).
Por que Jesus quis ser batizado?
O batismo conferido por São João não era da mesma natureza que o Batismo sacramental, instituído posteriormente por Nosso Senhor Jesus Cristo. Provinha verdadeiramente de Deus, mas não tinha o poder de conferir a graça santificante. O próprio Batista pôs em realce a diferença: "Eu vos batizo na água, mas eis que vem outro mais poderoso do que eu, a quem não sou digno de lhe desatar a correia das sandálias; ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo." (Lc 3, 16).
O efeito do batismo de João consistia num incentivo ao arrependimento dos pecados, explica São Tomás de Aquino.
Ora, em Jesus não havia sequer sombra de pecado, nem poderia haver, uma vez que Ele era o Homem-Deus. Não tinha, portanto, matéria para arrependimento e penitência. O que explica, então, que Ele tenha querido ser batizado?
Sujeitar-se à condição humana
Várias são as razões dadas pelos Padres e Doutores da Igreja.
Eis uma delas: quando o Verbo se fez Homem, Ele quis se sujeitar às leis que regem a vida humana. Por exemplo, obedeceu às leis que estavam em vigor entre os judeus, sendo apresentado no Templo após seu nascimento, sofrendo a circuncisão, e cumprindo os ritos da Páscoa judaica. Assim, quis também receber o batismo penitencial de João. Perdido no meio da multidão, Batismo de Jesus_.jpgJesus . inocente . submeteu-se a um rito destinado ao pecador: "Convém cumpramos a justiça completa", justificou-se Ele perante o profeta.
Comentando essas palavras, Santo Agostinho diz que Nosso Senhor "quis fazer o que ordenou que todos fizessem". E Santo Ambrósio acrescenta: "A justiça exige que comecemos por fazer o que queremos que os outros façam, e exortemos os outros a nos imitarem pelo nosso exemplo".
Purificar as águas
Entre as dez razões enumeradas na Suma Teológica para o batismo de Jesus, São Tomás de Aquino coloca em destaque o objetivo da purificação das águas.
Citando Santo Ambrósio, diz o Doutor Angélico que "o Senhor foi batizado, não por querer purificar-se, mas para purificar as águas". Desse modo, continua ele, as águas "purificadas pelo contato com o corpo de Jesus Cristo, que não conheceu o pecado, tivessem a virtude de batizar". E conclui citando o mesmo argumento, de São João Crisóstomo, de que Jesus "deixou as águas santificadas para os que, depois, deveriam ser batizados".
Temos aqui um interessante problema teológico-metafísico: por que razão Deus escolheu a água como matéria para o Batismo?
A água é um elemento rico em simbolismo. Por exemplo, é uma imagem da exuberância de Deus. Basta considerar que três quartas partes da superfície da Terra são constituídas por água.
Também é símbolo de vida. É elemento essencial para a manutenção de todos os seres vivos. Quanto mais abunda a água numa região, maior é a quantidade de plantas e animais que ali se desenvolvem. Além disso, ela é o elemento preponderante da matéria viva, de modo tal que o próprio corpo humano é composto, na sua maior parte, de água.
Podemos considerá-la também um símbolo da bondade, do carinho e da magnanimidade de Deus para com a humanidade. Agrada ao ser humano vê-la cair, em forma de chuva, cristalina, refrescante, tornando fértil o solo, favorecendo as plantações, limpando o ar.
Vista por outro prisma, tem ela uma potência descomunal de destruição. Apesar de toda a técnica moderna, e de um presunçoso progresso que se julgou capaz de um dia conseguir dominar os elementos da natureza, os homens se espantam e se aterrorizam com a força destruidora das águas. E ainda nisso ela é para nós um símbolo, o do poder onipotente de Deus.
Por sua capacidade de lavar, ela lembra a limpeza espiritual. Por diversas vezes a Sagrada Escritura assim a ela se refere, como no seguinte trecho: "Derramarei sobre vós águas puras, que vos purificarão de todas as vossas imundícies e de todas as vossas abominações" (Ez 36, 25). Nessa passagem, o profeta Ezequiel prediz o batismo de São João e, mais especialmente, o Batismo sacramental, instituído por Jesus. Do mesmo modo, ele é referido por Zacarias, quando este diz: "Naquele dia jorrará uma fonte para a casa de Deus e para os habitantes de Jerusalém, que apagará os seus pecados e suas impurezas" (13, 1).
Nada mais conveniente, portanto, do que a água ser a matéria do Batismo. E nada mais adequado que Deus encarnado ter querido purificá-la pelo contato de seu sacratíssimo corpo.
Incentivo ao Batismo
Outro motivo, dos mais importantes, para o Senhor decidir sujeitar-se ao ritual do Jordão era estimular nos homens o desejo do Batismo sacramental.
A recepção do Batismo é necessária para a salvação, como demonstram as palavras de Jesus a Nicodemos: "Quem não renascer da água e do Espírito não poderá entrar no Reino de Deus"(Jo 3, 5). Pelo tom categórico da afirmação, avalia-se a importância desse Sacramento.
O batismo de João levava ao arrependimento dos pecados, mas não tinha o poder de perdoá-los. O Batismo sacramental, Pia Batismal.jpginstituído por Jesus Cristo, tem efeitos infinitamente maiores.
Adão transmitiu a todos os seus descendentes a culpa original. O Sacramento do Batismo limpa a alma da mancha desse pecado, confere a graça santificante, eleva o homem à condição de filho de Deus e abre-lhe as portas do Céu. Ele é a chave de todos os outros Sacramentos, indispensáveis para o homem cumprir com fidelidade a Lei de Deus.
Tal é a grandeza e a eficácia do Sacramento do Batismo.
Exortação que permanece até o fim do mundo
"Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo" (Jo 1, 29), declarou São João Batista a dois de seus discípulos, indicando Nosso Senhor Jesus Cristo que passava.
São João Evangelista e seu irmão, São Tiago, que até então haviam seguido fielmente o Batista, compreenderam que Jesus era Aquele ao qual deviam entregar suas vidas. E deixando seu antigo mestre, procuraram logo o Senhor, pedindo-Lhe permissão para O acompanharem e viver com Ele.
Pelos séculos dos séculos, essas palavras do grande .profeta da penitência . ressoarão no mundo, convidando todos os homens a também colocarem seus olhos no Divino Salvador, a se encantarem com a figura d.Ele e . como católicos fiéis . a seguirem seus mandamentos, até o momento em que forem chamados para estar definitivamente com Ele, na vida Eterna.

(Revista Arautos do Evangelho, Janeiro/2003, n. 13, p. 7 à 11)