quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Na Liturgia, o Mistério de Cristo se faz atual, afirma Bento XVI


A liturgia como escola de oração foi o tema da catequese de Bento XVI, nesta quarta-feira. "É o próprio Senhor que nos ensina a rezar" - afirmou o Pontífice para os 25 mil fiéis e peregrinos diante da Basílica Vaticana. Depois de dois meses, o Papa volta a fazer sua catequese na Praça São Pedro. 
O Santo Padre ensinou que "na realidade, somente em Cristo o homem é capaz de se unir a Deus com a profundidade e a intimidade que um filho tem com seu pai. E, em seguida, explicou que "para aprender a viver com mais intensidade a relação pessoal com Deus Uno e Trino, aprendemos a invocar o Espírito Santo, primeiro dom do Ressuscitado aos que creem". Completando seu pensamento, afirmou: "Na leitura e na meditação das Escrituras, o Espírito Santo nos ensina a rezar" - completou.
S.S. Benedetto XVI - Udienza Generale in piazza San Pietro 26-09-12 d.jpg
Depois de dois meses, Papa retorna à Praça São Pedro
A síntese do que quis transmitir Bento XVI, a ideia central expressa em suas palavras é de que existe outra fonte para crescer na oração, que está estritamente relacionada com a precedente: a Liturgia, âmbito privilegiado em que Deus fala com cada um de nós e aguarda nossas respostas.
Como ensina o Catecismo da Igreja Católica, Liturgia, segundo a tradição cristã, significa a participação do Povo de Deus na obra de Deus. E de que obra de Deus somos chamados a participar? O Concílio Vaticano indica duas respostas: a primeira são as ações históricas que nos salvam, culminadas na Morte e Ressurreição de Jesus Cristo; e a segunda, na celebração da liturgia como «obra de Cristo».
Os dois significados são inseparavelmente ligados, e se resumem na ação de Cristo através da Igreja, especialmente no Sacramento da Eucaristia, no Sacramento da Reconciliação e em outros atos sacramentais que nos santificam. Assim, o Mistério Pascal da Morte e Ressurreição de Cristo foi o centro da teologia litúrgica do Concílio. De fato, o Papa recordou que o esquema da Liturgia foi o primeiro tema discutido no Concílio Vaticano II, e também o primeiro a ser aprovado.
Em sua palavras o Santo Padre citou novamente o Catecismo, quanto recordou que "toda celebração sacramental é um encontro dos filhos com Deus e com o seu Pai, em Cristo e no Espírito Santo, e tal encontro se realiza no diálogo, por meio de ações e palavras". "Portanto, a primeira condição para uma boa celebração litúrgica é que haja oração e conversa com Deus: escuta e resposta. E o elemento fundamental, primário, do diálogo com Deus na liturgia, é a concordância entre o que dizemos com os lábios e o que trazemos em nosso coração. 
Para concluir sua Catequese de hoje, Bento XVI insistiu que, com esta atitude, nossos corações estarão livres dos fardos deste mundo e subirão ao alto, rumo à verdade e ao amor. (JSG)

sábado, 24 de dezembro de 2011

SAUDAÇÃO DE NATAL DO PAPA BENTO XVI À CÚRIA ROMANA

“Onde está a força que sublima a nossa vontade?”
Senhores Cardeais,
Venerados Irmãos no Episcopado e no Presbiterado,
Amados irmãos e irmãs!

Um momento como este que vivemos hoje reveste-se sempre de particular intensidade. O Santo Natal já está perto e a grande família da Cúria Romana sente-se impelida a reunir-se para trocar entre si venturosos votos que encerram o desejo de viver, com alegria e verdadeiro fruto espiritual, a festa de Deus que encarnou e pôs a sua tenda no meio de nós (cf. Jo 1, 14). Esta ocasião permite-me não só apresentar-vos os meus votos pessoais, mas também exprimir a cada um de vós o agradecimento, meu e da Igreja, pelo vosso generoso serviço; peço-vos que o façais chegar também a todos os colaboradores que formam a nossa grande família. Um obrigado particular ao Cardeal Decano Ângelo Sodano, que se fez intérprete dos sentimentos dos presentes e de quantos trabalham nos diversos Departamentos da Cúria, do Governatorado, incluindo aqueles que realizam o seu ministério nas Representações Pontifícias espalhadas por todo o mundo. Todos nós estamos empenhados em fazer com que o pregão que os Anjos proclamaram na noite de Belém – «Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens do seu agrado» (Lc 2, 14) – ressoe por toda a terra levando alegria e esperança.
No fim deste ano, a Europa encontra-se no meio duma crise econômica e financeira que, em última análise, se fundamenta na crise ética que ameaça o Velho Continente. Embora certos valores como a solidariedade, o serviço aos outros, a responsabilidade pelos pobres e atribulados sejam em grande parte compartilhados, todavia falta muitas vezes a força capaz de motivar e induzir o indivíduo e os grandes grupos sociais a abraçarem renúncias e sacrifícios. O conhecimento e a vontade caminham, necessariamente, lado a lado. A vontade de preservar o lucro pessoal obscurece o conhecimento e este, enfraquecido, é incapaz de revigorar a vontade. Por isso, desta crise surgem interrogações fundamentais: Onde está a luz que possa iluminar o nosso conhecimento não apenas com ideias gerais, mas também com imperativos concretos? Onde está a força que sublime a nossa vontade? São questões às quais o nosso anúncio do Evangelho, a nova evangelização, deve dar resposta, para que a mensagem se torne acontecimento, o anúncio se torne vida.
Com efeito, a grande temática tanto deste ano como dos anos futuros gira à volta disto: Como anunciar hoje o Evangelho? Como pode a fé, enquanto força viva e vital, tornar-se realidade hoje? Os acontecimentos eclesiais deste ano que está a terminar referiam-se todos, em última análise, a este tema. Entre eles contam-se as minhas viagens à Croácia, a Espanha para a Jornada Mundial da Juventude, à minha pátria da Alemanha e, por fim, à África – ao Benim – para a entrega da Exortação pós-sinodal sobre justiça, paz e reconciliação; documento este, que se deve traduzir em realidade concreta nas diversas Igrejas particulares. Não posso esquecer também as viagens a Veneza, a São Marino, a Ancona para o Congresso Eucarístico e à Calábria. E tivemos, enfim, a significativa jornada de Assis, com o encontro entre as religiões e entre as pessoas em busca de verdade e de paz; jornada concebida como um novo impulso na peregrinação para a verdade e a paz. A instituição do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização constitui, simultaneamente, um prenúncio do Sínodo sobre o mesmo tema que terá lugar no próximo ano. E entra também neste contexto o Ano da Fé, na comemoração da abertura do Concílio há cinquenta anos. Cada um destes acontecimentos revestiu-se de acentuações próprias. Na Alemanha, país onde teve origem a Reforma, naturalmente teve uma importância particular a questão ecumênica com todas as suas fadigas e esperanças. Indivisivelmente associada com ela, levanta-se sempre de novo, no centro da disputa, a questão: O que é uma reforma da Igreja? Como se realiza? Quais são os seus caminhos e os seus objetivos? É com preocupação que fiéis crentes, e não só, notam como as pessoas que frequentam regularmente a Igreja se vão tornando sempre mais idosas e o seu número diminui continuamente; notam como se verifica uma estagnação nas vocações ao sacerdócio; como crescem o cepticismo e a descrença. Então que devemos fazer? Existem discussões sem fim a propósito do que se deve fazer para haver uma inversão de tendência. E certamente é preciso fazer tantas coisas; mas o fazer, por si só, não resolve o problema. O cerne da crise da Igreja na Europa é a crise da fé. Se não encontrarmos uma resposta para esta crise, ou seja, se a fé não ganhar de novo vitalidade, tornando-se um convicção profunda e uma força real graças ao encontro com Jesus Cristo, permanecerão ineficazes todas as outras reformas.
Neste sentido, o encontro com a jubilosa paixão pela fé, na África, foi um grande encorajamento. Lá não se sentia qualquer indício desta lassidão da fé, tão difusa entre nós, não havia nada deste tédio de ser cristão que se constata sempre de novo no meio de nós. Apesar de todos os problemas, de todos os sofrimentos e penas que existem, sem dúvida, precisamente na África, sempre se palpava a alegria de ser cristão, o ser sustentado pela felicidade interior de conhecer Cristo e pertencer à sua Igreja. E desta alegria nascem também as energias para servir Cristo nas situações opressivas de sofrimento humano, para se colocar à sua disposição em vez de acomodar-se no próprio bem-estar. Encontrar esta fé disposta ao sacrifício e, mesmo no meio deste, jubilosa é um grande remédio contra a lassidão de ser cristão que experimentamos na Europa.
E um remédio contra a lassidão do crer foi também a magnífica experiência da Jornada Mundial da Juventude,em Madrid. Estafoi uma nova evangelização ao vivo. De forma cada vez mais clara vai-se delineando, nas Jornadas Mundiais da Juventude, um modo novo e rejuvenescido de ser cristão, que poder-se-ia caracterizar em cinco pontos.
1. Em primeiro lugar, há uma nova experiência da catolicidade, da universalidade da Igreja. Foi isto que impressionou, de forma muito viva e imediata, os jovens e todos os presentes: Vimos de todos os continentes e, apesar de nunca nos termos visto antes, conhecemo-nos. Falamos línguas diferentes e possuímos costumes de vida diversos e formas culturais diversas; e no entanto sentimo-nos imediatamente unidos como uma grande família. Separação e diversidade exteriores ficaram relativizadas. Todos somos tocados pelo mesmo e único Senhor Jesus Cristo, no qual se nos manifestou o verdadeiro ser do homem e, conjuntamente, o próprio Rosto de Deus. As nossas orações são as mesmas. Em virtude do mesmo encontro interior com Jesus Cristo, recebemos no mais íntimo de nós mesmos a mesma formação da razão, da vontade e do coração. E, por fim, a liturgia comum constitui uma espécie de pátria do coração e une-nos numa grande família. Aqui o facto de todos os seres humanos serem irmãos e irmãs não é apenas uma ideia mas torna-se uma experiência comum real, que gera alegria. E assim compreendemos também de maneira muito concreta que, apesar de todas as fadigas e obscuridades, é bom pertencer à Igreja universal, à Igreja Católica, que o Senhor nos deu.
2. E disto nasce, depois, um novo modo de viver o ser homem, o ser cristão. Para mim, uma das experiências mais importantes daqueles dias foi o encontro com os voluntários da Jornada Mundial da Juventude: eram cerca de 20.000 jovens, tendo todos, sem excepção, disponibilizado semanas ou meses da sua vida para colaborar na preparação técnica, organizativa e temática das actividades da Jornada Mundial da Juventude, e tornando, precisamente assim, possível o desenvolvimento regular de tudo. Com o próprio tempo, o homem oferece sempre uma parte da sua própria vida. No fim, estes jovens estavam, visível e «palpavelmente», inundados duma grande sensação de felicidade: o tempo dado tinha um sentido; precisamente no dom do seu tempo e da sua força laboral, encontraram o tempo, a vida. E então tornou-se-me evidente uma coisa fundamental: estes jovens ofereceram, na fé, um pedaço de vida, e não porque isso lhes fora mandado, nem porque se ganha o céu com isso, nem mesmo porque assim se escapa ao perigo do inferno. Não o fizeram, porque queriam ser perfeitos. Não olhavam para trás, para si mesmos. Passou-me pela mente a imagem da mulher de Lot, que, olhando para trás, se transformou numa estátua de sal. Quantas vezes a vida dos cristãos se caracteriza pelo facto de olharem sobretudo para si mesmos; por assim dizer, fazem o bem para si mesmos. E como é grande, para todos os homens, a tentação de se preocuparem antes de mais nada consigo mesmos, de olharem para trás para si mesmos, tornando-se assim interiormente vazios, «estátuas de sal»! Em Madrid, ao contrário, não se tratava de aperfeiçoar-se a si mesmo ou de querer conservar a própria vida para si mesmo. Estes jovens fizeram o bem – sem olhar ao peso e aos sacrifícios que o mesmo exigia – simplesmente porque é bom fazer o bem, é bom servir os outros. É preciso apenas ousar o salto. Tudo isto é antecedido pelo encontro com Jesus Cristo, um encontro que acende em nós o amor a Deus e aos outros e nos liberta da busca do nosso próprio «eu». Assim recita uma oração atribuída a São Francisco Xavier: Faço o bem, não porque em troca entrarei no céu, nem porque de contrário me poderíeis mandar para o inferno. Faço-o por Vós, que sois o meu Rei e meu Senhor. Este mesmo comportamento fui encontrá-lo também na África, por exemplo nas Irmãs de Madre Teresa que se prodigalizam pelas crianças abandonadas, doentes, pobres e atribuladas, sem se importarem consigo mesmas, tornando-se, precisamente assim, interiormente ricas e livres. Tal é o comportamento propriamente cristão. Para mim, ficou memorável também o encontro com os jovens deficientes na fundação de São José, em Madrid, onde voltei a encontrar a mesma generosidade de colocar-se à disposição dos outros; uma generosidade de se dar, que, em última análise, nasce do encontro com Cristo que Se deu a Si mesmo por nós.
3. Um terceiro elemento que vai, de forma cada vez mais natural e central, fazendo parte das Jornadas Mundiais da Juventude e da espiritualidade que delas deriva, é a adoração. Restam inesquecíveis em mim aqueles momentos no Hydepark, durante a minha viagem à Inglaterra, quando dezenas de milhares de pessoas, na sua maioria jovens, responderam à presença do Senhor no Santíssimo Sacramento com um profundo silêncio, adorando-O. E sucedeu o mesmo, embora em medida menor, em Zagreb e de novo em Madrid depois do temporal que ameaçava arruinar todo o encontro nocturno por causa dos microfones que não funcionavam. Deus é, sem dúvida, omnipresente; mas a presença corpórea de Cristo ressuscitado constitui algo mais, constitui algo de novo. O Ressuscitado entra no meio de nós. E então não podemos senão dizer como o apóstolo Tomé: Meu Senhor e meu Deus! A adoração é, antes de mais nada, um acto de fé; o acto de fé como tal. Deus não é uma hipótese qualquer, possível ou impossível, sobre a origem do universo. Ele está ali. E se Ele está presente, prostro-me diante d’Ele. Então a razão, a vontade e o coração abrem-se para Ele, a partir d’Ele. Em Cristo ressuscitado, está presente Deus feito homem, que sofreu por nós porque nos ama. Entramos nesta certeza do amor corpóreo de Deus por nós, e fazemo-lo amando com Ele. Isto é adoração, e isto confere depois um cunho próprio à minha vida. E só assim posso celebrar convenientemente a Eucaristia e receber devidamente o Corpo do Senhor.
4. Outro elemento importante das Jornadas Mundiais da Juventude é a presença do sacramento da Penitência, que tem vindo, com naturalidade sempre maior, a fazer parte do conjunto. Deste modo, reconhecemos que necessitamos continuamente de perdão e que perdão significa responsabilidade. Proveniente do Criador, existe no homem a disponibilidade para amar e a capacidade de responder a Deus na fé. Mas, proveniente da história pecaminosa do homem (a doutrina da Igreja fala do pecado original), existe também a tendência contrária ao amor: a tendência para o egoísmo, para se fechar em si mesmo, ou melhor, no mal. Incessantemente a minha alma fica manchada por esta força de gravidade em mim, que me atrai para baixo. Por isso, temos necessidade da humildade que sempre de novo pede perdão a Deus, que se deixa purificar e que desperta em nós a força contrária, a força positiva do Criador, que nos atrai para o alto.
5. Por fim, como última característica, que não se deve descurar na espiritualidade das Jornadas Mundiais da juventude, quero mencionar a alegria. Donde brota? Como se explica? Seguramente são muitos os fatores que interagem; mas, a meu ver, o fator decisivo é esta certeza que deriva da fé: Eu sou desejado; tenho uma missão na história; sou aceito, sou amado. Josef Pieper mostrou, no seu livro sobre o amor, que o homem só se pode aceitar a si mesmo, se for aceito por outra pessoa qualquer. Precisa que haja outra pessoa que lhe diga, e não só por palavras: É bom que tu existas. Somente a partir de um «tu» é que o «eu» pode encontrar-se si mesmo. Só se for aceito, é que o «eu» se pode aceitar a si mesmo. Quem não é amado, também não se pode amar a si mesmo. Este saber-se acolhido provém, antes de tudo, doutra pessoa. Entretanto todo o acolhimento humano é frágil; no fim de contas, precisamos de um acolhimento incondicional; somente se Deus me acolher e eu estiver seguro disso mesmo é que sei definitivamente: É bom que eu exista; é bom ser uma pessoa humana. Quando falta ao homem a percepção de ser acolhido por Deus, de ser amado por Ele, a pergunta sobre se existir como pessoa humana seja verdadeiramente coisa boa, deixa de encontrar qualquer resposta; torna-se cada vez mais insuperável a dúvida acerca da existência humana. Onde se torna predominante a dúvida sobre Deus, acaba inevitavelmente por seguir-se a dúvida acerca do meu ser homem. Hoje vemos quão difusa é esta dúvida! Vemo-lo na falta de alegria, na tristeza interior que se pode ler em muitos rostos humanos. Só a fé me dá esta certeza: É bom que eu exista; é bom existir como pessoa humana, mesmo em tempos difíceis. A fé faz-nos felizes a partir de dentro. Esta é uma das maravilhosas experiências das Jornadas Mundiais da Juventude.
Alongaria demasiado o nosso encontro falar agora também, de modo detalhado, do encontro de Assis, como a importância do acontecimento mereceria. Limitamo-nos a agradecer a Deus, porque nós – os representantes das religiões do mundo e também os representantes do pensamento em busca da verdade – pudemos, naquele dia, encontrar-nos num clima de amizade e de respeito mútuo, no amor à verdade e na responsabilidade comum pela paz. Por isso podemos esperar que, daquele encontro, tenha nascido uma disponibilidade nova para servir a paz, a reconciliação e a justiça.
Queria enfim agradecer do íntimo do coração a todos vós pelo apoio que prestais para levar por diante a missão que o Senhor nos confiou como testemunhas da sua verdade, e desejo a todos vós a alegria que Deus nos quis dar na encarnação do seu Filho. Um santo Natal para todos vós! Obrigado!

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

A Imaculada Conceição: "Piedosa Crença" que se tornou dogma

A esta criatura dileta entre todas, superior a tudo quanto foi criado, e inferior somente à humanidade santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus conferiu um privilégio incomparável, que é a Imaculada Conceição.

O vocabulário humano não é suficiente para exprimir a santidade de Nossa Senhora. Na ordem natural, os Santos e os Doutores A compararam  ao sol. Mas se houvesse algum astro inconcebivelmente mais brilhante e mais glorioso do que o sol, é a esse que Aimaculada Conceiçao_8..............jpgcomparariam. E acabariam por dizer que este astro daria d'Ela uma imagem pálida, defeituosa, insuficiente. Na ordem moral, afirmam que Ela transcendeu de muito todas as virtudes, não só de todos os varões e matronas insignes da Antiguidade, mas - o que é incomensuravelmente mais - de todos os Santos da Igreja Católica.
Imagine-se uma criatura tendo todo o amor de São Francisco de Assis, todo o zelo de São Domingos de Gusmão, toda a piedade de São Bento, todo o recolhimento de Santa Teresa, toda a sabedoria de São Tomás, toda a intrepidez de Santo Inácio, toda a pureza de São Luiz Gonzaga, a paciência de um São Lourenço, o espírito de mortificação de todos os anacoretas do deserto: ela não chegaria aos pés de Nossa Senhora.
Mais ainda. A glória dos Anjos é algo de incompreensível ao intelecto humano. Certa vez, apareceu a um santo o seu Anjo da Guarda. Tal era sua glória, que o Santo pensou que se tratasse do próprio Deus, e se dispunha a adorá-lo, quando o Anjo revelou quem era. Ora, os Anjos da Guarda não pretendem habitualmente às mais altas hierarquias celestes. E a glória de Nossa Senhora está incomensuravelmente acima da de todos os coros angélicos.
Poderia haver contraste maior entre esta obra-prima da natureza e da graça, não só indescritível mas até inconcebível, e o charco de vícios e misérias, que era o mundo antes de Cristo?
A Imaculada Conceição
A esta criatura dileta entre todas, superior a tudo quanto foi criado, e inferior somente à humanidade santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus conferiu um privilégio incomparável, que é a Imaculada Conceição.
Em virtude do pecado original, a inteligência humana se tornou sujeita a errar, a vontade ficou exposta a desfalecimentos, a sensibilidade ficou presa das paixões desordenadas, o corpo por assim dizer foi posto em revolta contra a alma.
Ora, pelo privilégio de sua Conceição Imaculada, Nossa Senhora foi preservada da mancha do pecado original desde o primeiro instante de seu ser. E, assim, n'Ela tudo era harmonia profunda, perfeita, imperturbável. O intelecto jamais exposto a erro, dotado de um entendimento, uma clareza, uma agilidade inexprimível, iluminado pelas graças mais altas, tinha um conhecimento admirável das coisas do Céu e da Terra.
A vontade, dócil em tudo ao intelecto, estava inteiramente voltada para o bem, e governava plenamente a sensibilidade, que jamais sentia em si, nem pedia à vontade algo que não fosse plenamente justo e conforme à razão. Imagine-se uma vontade naturalmente tão perfeita, uma sensibilidade naturalmente tão irrepreensível, esta e aquela enriquecidas e super-enriquecidas de graças inefáveis, perfeitissimamente correspondidas a todo o momento, e se pode ter uma idéia do que era a Santíssima Virgem. Ou antes se pode compreender por que motivo nem sequer se é capaz de formar uma ideia do que a Santíssima Virgem era.
"Inimicitias Ponam"
Dotada de tantas luzes naturais e sobrenaturais, Nossa Senhora conheceu por certo, em seus dias, a infâmia do mundo. E com isto amargamente sofreu. Pois quanto maior é o amor à virtude, tanto maior é o ódio ao mal.
Ora, Maria Santíssima tinha em si abismos de amor à virtude, e, portanto, sentia forçosamente em si abismos de ódio ao mal. Maria era pois inimiga do mundo, do qual viveu alheia, segregada, sem qualquer mistura nem aliança, voltada unicamente para as coisas de Deus.
O mundo, por sua vez, parece não ter compreendido nem amado Maria. Pois não consta que lhe tivesse tributado admiração proporcionada à sua formosura castíssima, à graça nobilíssima, a seu trato dulcíssimo, à sua caridade sempre exorável, acessível, mais abundante do que as águas do mar e mais suave do que o mel.
E como não haveria de ser assim? Que compreensão poderia haver entre Aquela que era toda do Céu, e aqueles que viviam só para a Terra? Aquela que era toda fé, pureza, humildade, nobreza, e aqueles que eram todos idolatria, ceticismo, heresia, concupiscência, orgulho, vulgaridade? Aquela que era toda sabedoria, razão, equilíbrio, senso perfeito de todas as coisas, temperança absoluta e sem mácula nem sombra, e aqueles que eram todo desmando, extravagância, desiquilíbrio, senso errado, cacofônico, contraditório, berrante a respeito de tudo, e intemperança crônica, sistemática, vertiginosamente crescente em tudo? Aquela que era a fé levada por uma lógica adamantina e inflexível a todas as suas consequências, e aqueles que eram o erro levado por uma lógica infernalmente inexorável, também a suas últimas consequências? Ou aqueles que, renunciando a qualquer lógica, viviam voluntariamente num pânimaculada Conceiçao_7.............jpgtano de contradições, em que todas as verdades se misturavam e se poluíam na monstruosa interpenetração de todos os erros que lhe são contrários?
"Imaculado" é uma palavra negativa. Ela significa etimologicamente a ausência de mácula, e pois de todo e qualquer erro por menos que seja, de todo e qualquer pecado por mais leve e insignificante que pareça. É a integridade absoluta na fé e na virtude. E, portanto, a intransigência absoluta, sistemática, irredutível, a aversão completa, profunda, diametral a toda a espécie de erro ou de mal. A santa intransigência na verdade e no bem, é a ortodoxia, a pureza, enquanto em oposição à heterodoxia e ao mal. Por amar a Deus sem medida, Nossa Senhora correspondentemente amou de todo o Coração tudo quanto era de Deus. E porque odiou sem medida o mal, odiou sem medida Satanás, suas pompas e suas obras, o demônio e a carne. Nossa Senhora da Conceição é Nossa Senhora da santa intransigência.
Verdadeiro ódio, verdadeiro amor
Por isto, Nossa Senhora rezava sem cessar. E segundo tão razoavelmente se crê, Ela pedia o advento do Messias, e a graça de ser uma serva daquele que fosse escolhida para Mãe de Deus.
Pedia o Messias, para que viesse Aquele que poderia fazer brilhar novamente a justiça na face da Terra, para que se levantasse o Sol divino de todas as virtudes, espancando por todo o mundo as trevas da impiedade e do vício.
Nossa Senhora desejava, é certo, que os justos vivendo na Terra encontrassem na vinda do Messias a realização de seus anseios e de suas esperanças, que os vacilantes se reanimassem, e que de todos os pauis, de todos os abismos, almas tocadas pela luz da graça, levantassem voo para os mais altos píncaros da santidade. Pois estas são por excelência as vitórias de Deus, que é a Verdade e o Bem, e as derrotas do demônio, que é o chefe de todo erro e de todo o mal. A Virgem queria a glória de Deus por essa justiça que é a realização na Terra da ordem desejada pelo Criador.
Mas, pedindo a vinda do Messias, Ela não ignorava que este seria a Pedra de escândalo, pela qual muitos se salvariam e muitos receberiam também o castigo de seu pecado. Este castigo do pecador irredutível, este esmagamento do ímpio obcecado e endurecido, Nossa Senhora também o desejou de todo o Coração, e foi uma das consequências da Redenção e da fundação da Igreja, que Ela desejou e pediu como ninguém. Ut inimicos Santae Ecclesiae Humiliare digneris, Te rogamus audi nos, canta a Liturgia. E antes da Liturgia por certo o Coração Imaculado de Maria já elevou a Deus súplica análoga, pela derrota dos ímpios irredutíveis. Admirável exemplo de verdadeiro amor, de verdadeiro ódio.
Onipotência suplicante
Deus quer as obras. Ele fundou a Igreja par ao apostolado. Mas acima de tudo quer a oração. Pois a oração é a condição da fecundidade de todas as obras. E quer como fruto da oração a virtude.
Rainha de todos os apóstolos, Nossa Senhora e entretanto principalmente o modelo das almas que rezam e se santificam, a estrela podar de toda meditação e vida interior. Pois, dotada de virtude imaculada, Ela dez sempre o que era mais razoável, e se nunca sentiu em si as agitações e as desordens das almas que só amam a ação e a agitação, nunca experimentou em si, tampouco, as apatias e as negligências das almas frouxas que fazem da vida interior um pára-vento a fim de disfarçar sua indiferença pela causa da Igreja. Seu afastamento do mundo não significou um desinteresse pelo mundo. Quem fez mais pelos ímpios e pelos pecadores do que Aquela que, para os salvar, voluntariamente consentiu na imolação crudelíssima de seu Filho infinitamente inocente e santo? Quem fez mais pelos homens, do que Aquela que consentiu se realizasse em seus dias a promessa da vinda do Salvador?
Mas, confiante sobretudo na oração e na vida interior, não nos deu a Rainha dos Apóstolos uma grande lição de apostolado, fazendo de uma e outra o seu principal instrumento de ação?
Aplicação a nossos dias
Tanto valem aos olhos de Deus as almas que, como Nossa Senhora, possuem o segredo do verdadeiro amor e do verdadeiro ódio, da intransigência perfeita, do zelo incessante, do completo espírito de renúncia, que propriamente são elas que podem atrair para o mundo as graças divinas.
Estamos numa época parecida com a da vinda de Jesus Cristo à Terra. Em 1928 escreveu o Santo Padre Pio XI que "o espetáculo das desgraças contemporâneas é de tal maneira aflitivo, que se poderia ver nele a aurora deste início de dores que trará o Homem do pecado, elevando-se contra tudo quanto é chamado Deus e recebe a honra de um culto" (Enc. Miserentissimus Redemptor, de 8 de maio de 1928).
Que diria ele hoje? E a nós, que nos compete fazer? Lutar em todos os terrenos permitidos, com todas as armas lícitas. Mas antes de tudo, acima de tudo, confiar na vida interior e na oração. É o grande exemplo de Nossa Senhora.
O exemplo de Nossa Senhora, só com o auxílio de Nossa Senhora se pode imitar. E o auxílio de Nossa Senhora só com a devoção a Nossa Senhora se pode conseguir. Ora, a devoção a Maria Santíssima no que de melhor pode consistir, do que em lhe pedirmos não só o amor a Deus e o ódio ao demônio, mas aquela santa inteireza no amor ao bem e no ódio ao mal, em uma palavra aquela santa intransigência, que tanto refulge em sua Imaculada Conceição?
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A Imaculada Conceição da Maria Virgem - singular privilégio concedido por Deus, desde toda a eternidade, Àquela que seria Mãe de seu Filho Unigênito - preside a todos os louvores que Lhe rendemos na recitação de seu Pequeno Ofício. Assim, parece-nos oportuno percorrer rapidamente a história dessa "piedosa crença" que atravessou os séculos, até encontrar, nas infalíveis palavras de Pio IX, sua solene definição dogmática.
Onze séculos de tranqüila aceitação da "piedosa crença"
Os mais antigos Padres da Igreja, amiúde se expressam em termos que traduzem sua crença na absoluta imunidade do pecado, mesmo o original, concedida àImaculada Conceiçao_1....jpg Virgem Maria. Assim, por exemplo, São Justino, Santo Irineu, Tertuliano, Firmio, São Cirilo de Jerusalém, Santo Epifânio, Teódoro de Ancira, Sedulio e outros comparam Maria Santíssima com Eva antes do pecado. Santo Efrém, insigne devoto da Virgem, A exalta como tendo sido "sempre, de corpo e de espírito, íntegra e imaculada". Para Santo Hipólito Ela é um "tabernáculo isento de toda corrupção". Orígenes A aclama "imaculada entre imaculadas, nunca afetada pela peçonha da serpente". Por Santo Ambrósio é Ela declarada "vaso celeste, incorrupta, virgem imune por graça de toda mancha de pecado". Santo Agostinho afirma, disputando contra Pelágio, que todos os justos conheceram o pecado, "menos a Santa Virgem Maria, a qual, pela honra do Senhor, não quero que entre nunca em questão quando se trate de pecados".
Cedo começou a Igreja - com primazia da Oriental - a comemorar em suas funções litúrgicas a imaculada conceição de Maria. Passaglia, no seu De Inmaculato Deiparae Conceptu, crê que a princípios do Século V já se celebrava a festa da Conceição de Maria (com o nome de Conceição de Sant'Ana) no Patriarcado de Jerusalém. O documento fidedigno mais antigo é o cânon de dita festa, composto por Santo André de Creta, monge do mosteiro de São Sabas, próximo a Jerusalém, o qual escreveu seus hinos litúrgicos na segunda metade do século VII.
Tampouco faltam autorizadíssimos testemunhos dos Padres da Igreja, reunidos em Concílio, para provar que já no século VII era comum e recebida por tradição a piedosa crença, isto é, a devoção dos fiéis ao grande privilégio de Maria (Concílio de Latrão, em 649, e Concílio Constantinopolitano III, em 680).
Em Espanha, que se gloria de ter recebido com a fé o conhecimento deste mistério, comemora-se sua festa desde o século VII. Duzentos anos depois, esta solenidade aparece inscrita nos calendários da Irlanda, sob o título de "Conceição de Maria".
Também no século IX era já celebrada em Nápoles e Sicílias, segundo consta do calendário gravado em mármore e editado por Mazzocchi em 1744. Em tempos do Imperador Basílio II (976-1025), a festa da "Conceição de Sant'Ana" passou a figurar no calendário oficial da Igreja e do Estado, no Império Bizantino.
No século XI parece que a comemoração da Imaculada estava estabelecida na Inglaterra, e, pela mesma época, foi recebida em França. Por uma escritura de doação de Hugo de Summo, consta que era festejada na Lombardia (Itália) em 1047. Certo é também que em fins do século XI, ou princípios do XII, celebrava-se em todo o antigo Reino de Navarra.
Séculos XII-XIII: Oposições
No mesmo século XII começou a ser combatido, no Ocidente, este grande privilégio de Maria Santíssima. Tal oposição haveria ainda de ser mais acentuada e mais precisa na centúria seguinte, no período clássico da escolástica. Entre os que puseram em dúvida a Imaculada Conceição, pela pouca exatidão de idéias à matéria encontram-se doutos e virtuosos varões, como, por exemplo, São Bernardo, São Boaventura, Santo Alberto Magno e o angélico São Tomás de Aquino.
Século XIV: Escoto e a reação a favor do dogma
O combate a esta augusta prerrogativa da Virgem não fez senão acrisolar o ânimo de seus partidários. Assim, o século XIV se inicia com uma grande reação a favor da Imaculada, na qual se destacou, como um de seus mais ardorosos defensores, o beato espanhol Raimundo Lulio.
Outro dos primeiros e mais denodados campeões da Imaculada Conceição foi o venerável João Duns Escoto (seu país natal é incerto: Escócia, Inglaterra ou Irlanda; morreu em 1308), glória da Ordem dos Menores Franciscanos, o qual, depois de bem fixar os verdadeiros termos da questão, estabeleceu com admirável clareza os sólidos fundamentos para desvanecer as dificuldades que os contrários opunham à singular prerrogativa mariana.
Sobre o impulso dado por Escoto à causa da Imaculada Conceição, existe uma tocante legenda. Teria ele vindo de Oxford a Paris, precisamente para fazer triunfar o imaculatismo. Na Universidade da Sorbonne, em 1308, sustentou uma pública e solene disputa em favor do privilégio da Virgem.
No dia dessa grande ato, Escoto, quando chegou ao local da discussão, prosternou-se diante de uma imagem de Nossa Senhora que se encontrava em sua passagem, e lhe dirigiu esta prece: "Dignare me laudare te, Virgo sacrata: da mihi virtutem contra hostes tuos". A Virgem, para mostrar seu contentamento com esta atitude inclinou a cabeça - postura que, a partir de então, Ela teria conservado...
Depois de Escoto, a solução teológica das dificuldades levantadas contra a Imaculada Conceição se tornou casa dia mais clara e perfeita, com o que seus defensores se multiplicaram prodigiosamente. Em seu favor escreveram inúmerimaculada Conceiçao_12......jpgos filhos de São Francisco, entre os quais se podem contar os franceses Aureolo (m. em 1320) e Mayron (m. em 1325), o escocês Bassolis e o espanhol Guillermo Rubión. Acredita-se que esses ardorosos propagandistas do santo mistério estejam na origem de sua celebração em Portugal, nos primórdios do século XIV.
O documento mais antigo da instituição da festa da Imaculada nesse país é um decreto do Bispo de Coimbra, D. Raimundo Evrard, datado de 17 de Outubro de 1320. A par dos doutores franciscanos, cumpre ainda mencionar, entre os defensores da Imaculada Conceição nos séculos XIV-XV, o carmelita João Bacon (m. em 1340), o agostiniano Tomás de Estrasburgo, Dionísio, o Cartuxo (m. em 1471), Gerson (m. em 1429), Nicolau de Cusa (m. em 1464) e outros muitos esclarecidos teólogos pertencentes a diversas escolas e nações.
Séculos XV-XVI: acirradas disputas
Em meados do século XV, a Imaculada Conceição foi objeto de renhido combate durante o Concílio de Basiléia, resultando num decreto de definição sem valor dogmático, posto que este sínodo perdeu a legitimidade ao se desligar do Papa.
Entretanto, crescia cada dia mais o número das cidades, nações e colégios que celebravam oficialmente a festa da Imaculada. E com tal fervor, que nas cortes da Catalunha, reunidas em Barcelona entre 1454 e 1458, decretou-se pena de perpétuo desterro para quem combatesse o santo privilégio.
O autêntico Magistério da Igreja não tardou a dar satisfação aos defensores do dogma e da festa. Pela bula Cum proeexcelsa, de 27 de Fevereiro de 1477, o Papa Sixto IV aprovou a festa da Conceição de Maria, enriqueceu-a de indulgências semelhantes às festas do Santíssimo Sacramento e autorizou ofício e missa especial para essa solenidade.
Pelos fins do século XV, porém, a disputa em torno da Imaculada Conceição de tal maneira acirrou os ânimos dos contendores, que o mesmo Papa Sixto IV se viu obrigado a publicar, em data de 4 de setembro de 1483, a Constituição Grave Nimis, proibindo sob pena de excomunhão que os de uma parte chamassem hereges aos da outra.
Por essa época, festejavam a Imaculada célebres universidades, como as de Oxford, de Cambridge e a de Paris, a qual, em 1497, instituiu para todos os seus doutores o juramento e o voto de defender perpetuamente o mistério da Imaculada Conceição, excluindo de seus quadros quem não os fizesse. De modo semelhante procederam as universidades de Colônia (em 1499), de Magúncia (em 1501) e a de Valência (em 1530).
No Concílio de Trento (1545-1563) se ofereceu nova ocasião para denodado combate entre os dois partidos. Sem proferir uma definição dogmática da Imaculada Conceição, esta assembléia confirmou de modo solene as decisões de Sixto IV. A 15 de Junho de 1546, na sessão V, em seguida aos cânones sobre o pecado original, acrescentaram-se estas significativas palavras: "O sagrado Concílio declara que não é sua intenção compreender neste decreto, que trata do pecado original, a Bem-aventurada e imaculada Virgem Maria, Mãe de Deus, mas que devem observar-se as constituições do Papa Sixto IV, de feliz memória, sob as penas que nelas se cominam e que este Concílio renova".
Por esse tempo, começaram a reforçar as fileiras dos defensores da Imaculada Conceição os teólogos da recém-fundada Companhia de Jesus, entre os quais não se achou um só de opinião contrária. Aliás, pelos primeiros missionários jesuítas no Brasil temos notícia de que, já em 1554, celebrava-se o singular privilégio mariano em nosso País. Além da festa comemorada no dia 8 de Dezembro, capelas, ermidas e igrejas eram edificadas sob o título de Nossa Senhora da Conceição.
Entretanto, a piedosa crença ainda suscitava polêmicas, coibidas pela intervenção do Sumo Pontífice. Assim, em outubro de 1567, São Pio V, condenando uma proposição de Bayo que afirmava ter morrido Nossa Senhora em conseqüência do pecado herdado de Adão, proibiu novamente a disputa acerca do augusto privilégio da Virgem.
Séculos XVII e seguintes: consolidação da "piedosa crença"
No século XVII, o culto da Imaculada Conceição conquista Portugal inteiro, desde os reis e os teólogos até os mais humildes filhos do povo. A 9 de Dezembro de 1617, a Universidade de Coimbra, reunida em claustro pleno, resolve escrever ao Papa manifestando-lhe a sua crença na imaculabilidade de Maria.
Naquele mesmo ano, Paulo V, decretou que ninguém se atrevesse a ensinar publicamente que Maria Santíssima teve pecado original. Semelhante foi a atitude de Gregório XV, em 1622.
Por essa época, a Universidade de Granada se obrigou a defender a Imaculada Conceição com voto de sangue, quer dizer, comprometendo-se a dar a vida e derramar o sangue, se necessário fosse, na defesa deste mistério. Magnífico exemplo que foi imitado, sucessivamente, por grande número de cabidos, cidades, reinos e ordens militares.
A partir do século XVII também foram se multiplicando as corporações e sociedades, tanto religiosas como civis, e até mesmo estados, que adotaram por padroeira à Virgem no mistéiro de sua Imaculada Conceição.
Digna de particular referência é a iniciativa de D. João IV, Rei de Portugal, proclamando Nossa Senhora da Conceição padroeira de seus "Reinos e Senhorios", ao mesmo tempo que jura defendê-La até à morte, segundo se lê na provisão régia de 25 de março de 1646. A partir deste momento, em homenagem à sua Imaculada Soberana, nunca mais os reis portugueses puseram a coroa na cabeça.
Em 1648, aquele mesmo Monarca mandou cunhar moedas de ouro e prata. Foi com estas que se pagou o primeiro feudo a NossaA Imaculada Conceição_.jpgSenhora. Com o nome de Conceição, tais moedas tinham no anverso a legenda: JOANNES IIII, D. G. PORTUGALIAE ET ALBARBIAE REX, a Cruz de Cristo e as armas lusitanas. No reverso: a imagem da Senhora da Conceição sobre o globo e a meia lua, com a data de 1648 e, nos lados, o sol, o espelho, o horto, a casa de ouro, a fonte selada e a Arca da Aliança, símbolos bíblicos da Santíssima Virgem.
Outro decreto de D. João IV, assinado em 30 de junho de 1654, ordenava que "em todas as portas e entradas das cidades, vilas e lugares de seus Reinos", fosse colocada uma lápide cuja inscrição exprimisse a fé do povo português na imaculada Conceição de Maria.
Igualmente a partir do século XVII imperadores, reis e as cortes dos reinos começaram a pedir com admirável constância, e com uma insistência de que há poucos exemplos na História, a declaração dogmática da Imaculada Conceição.
Pediram-na a Urbano VIII (m. em 1644) o Imperador Fernando II da Áustria; Segismundo, Rei da Polônia; Leopoldo, Arquiduque do Tirol; o eleitor de Magúncia; Ernesto de Baviera, eleitor de Colônia.
O mesmo Urbano VIII a pedidos do Duque de Mântua e de outros príncipes, criou a ordem militar dos Cavaleiros da Imaculada Conceição, aprovando ao mesmo tempo seus estatutos. Por devoção à Virgem Imaculada, quis ele ser o primeiro a celebrar o augusto Sacrifício na primeira igreja edificada em Roma sob o título da Imaculada, para uso dos menores capuchinhos de São Francisco.
Porém, o ato mais importante emanado da Santa Sé, no século XVII, em favor da Imaculada Conceição, foi a bula Sollicitude omnium Ecclesiarum, do Papa Alexandre VII, em 1661. Neste documento, escrito de sua própria mão, o Pontífice renova e ratifica as constituições em favor de Maria Imaculada, ao mesmo tempo que impõe gravíssimas penas a quem sustentar e ensinar opinião contrária aos ditos decretos e constituições. Esta bula memorável precede diretamente, sem outro decreto intermediário, a bula decisiva de Pio IX.
Em 1713, Felipe V de Espanha e as Cortes de Aragão e Castela pediram a solene definição a Clemente XI. E o mesmo Rei, com quase todos os Bispos espanhóis, as universidades e Ordens religiosas, a solicitaram a Clemente XII, em 1732.
No pontificado de Gregório XVI, e nos primeiros anos de Pio IX, elevaram-se à Sé Apostólica mais de 220 petições de Cardeais, Arcebispos e Bispos (sem contar as dos cabidos e ordens religiosas) para que se fizesse a definição dogmática.
O triunfo da Imaculada Conceição
Enfim, chegado era o tempo. Em 2 de fevereiro de 1849, Pio IX, desterrado em Gaeta, escreveu a todos os Patriarcas Primazes, Arcebispos e Bispos do orbe a Encíclica Ubi primum, questionando-lhes acerca da devoção de seu clero e de seus povos ao mistério da Imaculada Conceição, e seu desejo de vê-lo definido.
De um total de 750 Cardeais, Bispos e vigários apostólicos que em seu seio contava então a Igreja, mais de 600 responderam ao Sumo Pontífice. Levando-se em conta as dioceses que estariam vacantes, os prelados enfermos e as respostas perdidas, pode-se dizer que todos atenderam à solicitação do Papa, manifestando unanimemente que a fé de seu povo era completamente favorável à Imaculada Conceição, e apenas cinco se diziam duvidosos quanto à oportunidade de uma declaração dogmática. Afirmara-se a crença universal da Igreja. Roma iria falar, a causa estava julgada.
Agora - são palavras de uma testemunha da bela festa de 8 de dezembro de 1854 - transportemo-nos ao augusto templo do Chefe dos Apóstolos (Basílica de São Pedro de Roma). Nas suas amplas naves se comprime e se confunde uma imensa multidão impaciente, porém recolhida. É hoje em Roma, como outrora em Éfeso: as celebrações de Maria são em toda a parte populares. Os romanos se aprestam a receber a definição da Imaculada Conceição, como os efesianos acolheram a da maternidade divina de Maria: com cânticos de júbilo e manifestações do mais vivo entusiasmo.
Eis no limiar da Basílica o Soberano Pontífice. Circundam-no 54 Cardeais, 42 Arcebispos e 98 Bispos dos quatro cantos do orbe cristão, duas vezes mais vasto que o antifo mundo romano. Os Anjos da Igrejas estão presentes como testemunhas de fé de seus povos naPAPA PIO IX_.jpgImaculada Conceição. Subitamente, irrompem as vozes em tocantes e reiteradas aclamações. O cortejo dos Bispos atravessa lentamente o longo corredor do Altar da Confissão. Sobre a cátedra de São Pedro está sentado seu 258º sucessor.
Iniciam-se os santos mistérios. Logo o Evangelho é anunciado e cantado nas diversas línguas do Oriente e do Ocidente. Eis o solene momento marcado para o decreto pontifício. Um Cardeal carregado de anos e de méritos, aproxima-se do trono: é o decano do Sacro Colégio; feliz está ele, como outrora o velho Simeão, por ver o dia da glória de Maria ... Em nome de toda a Igreja, dirige ele ao Vigário de Cristo uma derradeira postulação.
O Papa, os Bispos e toda a grande assembléia caem de joelhos; a invocação ao Espírito Santo se faz ouvir; o sublime hino é repetido por cinqüenta mil vozes ao mesmo tempo, subindo aos Céus como imenso concerto.
Cessado o cântico, ergue-se o Pontífice sobre a cátedra de São Pedro; sua face é iluminada por celeste raio, visível efusão do Espírito de Deus; e de uma voz profundamente emocionada, em meio às lágrimas de alegria, pronuncia ele as solenes palavras que colocam a Imaculada Conceição de Maria no número dos artigos de nossa fé:
"Declaramos - disse ele -, pronunciamos e definimos que a doutrina de que a Bem-aventurada Virgem Maria, no primeira instante de sua conceição, por singular graça e privilégio de Deus Onipotente, em atenção aos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada imune de toda mancha de culpa original, essa doutrina foi revelada por Deus, e deve ser, portanto, firme e constantemente crida por todos os fiéis".
O Cardeal decano, prostrado segunda vez aos pés do Pontífice, suplicou-lhe então que a publicase as cartas apostólicas contendo a definição. E como promotor da fé, acompanhado dos protonotários apostólicos, pediu também que se lavrasse um processo verbal desse grande ato. Ao mesmo tempo, o canhão do Castelo de Santo Angêlo e todos os sinos da Cidade Eterna anunciavam a glorificação da Virgem Imaculada.
À noite, Roma, cheia de ruidosas e alegres orquestras embandeirada, iluminada, coroada de inscrições e de emblemas, foi imitada por milhares de vilas e cidades em toda a superfície do globo.
O ano seguinte pode ser chamado o Ano da Imaculada Conceição: quase todos os dias foram assinalados por festas em honra da Santíssima Virgem. Em 1904, São Pio X celebrou, juntamente com toda a Igreja Universal, com grande solenidade e regozijo, o cinqüentenário da definição do dogma da Imaculada Conceição.
O Papa Pio XII, por sua vez, em 1954 comemorou o primeiro centenário dessa gloriosa verdade de fé, decretanto o Ano Santo Mariano. Celebração esta coroada pela Encíclica Ad Coeli Reginam, na qual o mesmo Pontífice proclama a soberania da Santíssima Virgem, e estabelece a festa anual de Nossa Senhora Rainha.